Prisioneiros alemães na I Guerra viviam nos Açores em melhores condições que a população local
2016-11-14 08:35:00 | Lusa

Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, acolheu um dos principais “depósitos de concentrados” alemães de Portugal na I Guerra Mundial, onde, apesar da falta de liberdade, os prisioneiros chegavam a ter melhores condições que as da população local.

A história do depósito de concentrados alemães da Fortaleza de São João Baptista, pouco conhecida, tanto em Portugal como na Alemanha, é contada numa exposição, patente até 29 de janeiro, no Museu de Angra do Heroísmo, comissariada por Sérgio Rezendes.

A mostra, que assinala os 100 anos da criação do depósito e as comemorações do centenário da I Guerra Mundial, inclui objetos de familiares dos prisioneiros e fotografias inéditas tiradas por um dos concentrados, que comprovam o regime de exceção que existia, em comparação com outros campos, já que por norma os prisioneiros não podiam ter acesso a máquinas fotográficas.

É possível ver, também, na exposição correspondência enviada pelos concentrados alemães, em que diziam aos familiares que não se preocupassem porque estavam a ser bem tratados.

“A ideia internacional que existe é que efetivamente foi um campo que resultou. Foi um campo que, comparado com outros campos, ao longo da história foi relativamente suave”, salientou, em declarações à Lusa, Sérgio Rezendes, historiador da Universidade dos Açores e do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.

O depósito foi criado aquando da entrada de Portugal na I Guerra Mundial, em 1916, para acolher alemães residentes no império português, em idade militar, que na altura representavam uma ameaça para o país.

Durante três anos, estiveram detidos na ilha Terceira cerca de 750 alemães, numa fortaleza sem condições físicas para os receber e numa altura em que a 1.ª República enfrentava graves problemas económicos.

As verbas nem sempre chegavam atempadamente ao depósito, mas, segundo Sérgio Rezendes, o exército procurou sempre garantir que os prisioneiros tinham acesso aos serviços mínimos.

“O depósito pauta-se pelos princípios civilizacionais das convenções de Genebra em vigor na altura. A 1.ª República tenta que o período de reclusão deles seja um período de guarda e de espera, com paciência para todas as partes, até que a guerra terminasse”, disse.

Os concentrados alemães chegaram a ter, sobretudo nos primeiros anos, melhores condições de vida do que a população pobre da ilha Terceira.

“Há uma grande preocupação em que eles andem calçados, em que tenham serviços médicos, em vaciná-los, em que não lhes falte alimento, nomeadamente o pão, numa altura em que escasseiam as farinhas e a importação é muito limitada, há uma preocupação em trazer água canalizada para a fortaleza e em que essa água seja constantemente fervida”, adiantou o historiador.

Segundo Sérgio Rezendes, a população da ilha Terceira tinha noção de que os concentrados alemães tinham certas regalias, mas, em vez de se revoltar, encarava-o com orgulho, “porque era sinónimo de civilização, de respeito e de humanismo para com o próximo”.

“Fazem natação, têm teatro, têm ginásio, têm médico, têm sapatos, têm roupa, mas toda a gente percebe que é uma situação transitória durante o conflito. Toda a gente percebe, também, que acabava por ser uma honra para a ilha Terceira ter um campo em que os alemães pudessem dizer que estavam a ser bem tratados”, explicou.

Entre o fim da guerra e a assinatura do Tratado de Versailles, que permitiu a sua libertação, os prisioneiros foram autorizados a frequentar a cidade e geraram-se alguns conflitos provocados por terceirenses, mas o historiador assegurou que se trataram de problemas pontuais.

A exposição contou com a colaboração da embaixada alemã em Lisboa, que traduziu o catálogo e os painéis, e Sérgio Rezendes espera que a mostra possa ser levada ao continente português e à Alemanha, já que a história é praticamente desconhecida nos dois países e pode “aproximar as duas culturas”.

 

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