Locais e turistas vão poder colher chá nos Açores na antiga fábrica da Seara
2017-09-01 11:27:39 | Lusa
Turistas e residentes vão colher nas plantações da Seara, a 23 de setembro, um tipo de chá que, na Europa, é apenas produzido nos Açores, numa iniciativa do Museu Carlos Machado que alerta para a salvaguarda deste património.
“Vamos proceder à apanha do chá e ao processo da sua transformação em bebida, que vai ser desenvolvido durante dois dias. Depois da apanha, a folha vai murchar e ser enrolada, num processo que a visa quebrar e libertar as seivas para ativar o processo de oxidação, secando-se e embalando”, explicou à agência Lusa a antropóloga Maria Emanuel Albergaria.
A investigadora, que integra a equipa do património cultural e material do museu localizado em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, referiu que a herdade da Seara, na freguesia das Sete Cidades, é uma pequena fabriqueta (oficina) de chá que se “desconhece exatamente quando abriu, mas provavelmente nos anos 20 do século XX, por iniciativa de Francisco Álvares Cabral”.
Maria Emanuel Albergaria referiu que ainda subsiste na propriedade, gerida por herdeiros de Francisco Álvares Cabral, uma parte da plantação onde, todos os anos, a família da caseira responsável pela sua gestão apanha e fabrica chá de forma artesanal numa herdade que corre o risco iminente de desaparecer na sequência da intenção de venda.
O chá foi introduzido nos Açores, apenas como planta ornamental, na segunda metade do século XIX, tendo a sua produção sofrido um grande incremento por iniciativa da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, que contratou dois profissionais chineses para ensinarem todo o processo de transformação da folha até se produzir a bebida.
Segundo Maria Emanuel Albergaria, esta unidade de chá chegou a ter uma produção com “algum significado” que era enviada para o exterior dos Açores, pretendendo-se com esta iniciativa “promover o lugar e a sua história”.
Neste momento, nos Açores, apenas restam duas fábricas de chá, a do Porto Formoso e Gorreana, tendo existido várias plantações, mas persistindo algumas de caráter familiar.
“Há pequenas produções familiares pouco conhecidas. À volta das antigas fábricas as pessoas mais velhas também tinham chá nos seus quintais, ainda fabricando-o. Este conhecimento está a desaparecer”, declarou.
A antropóloga referiu que o chá foi introduzido na ilha de São de Miguel como uma alternativa em termos económicos, na sequência da crise da produção da laranja, havendo um relatório, datado de 1913, de um agrónomo micaelense que vivia em Lisboa, Aníbal Cabido, que aponta 10 grandes fábricas de chá para além mais de 40 oficinas.
A antropóloga afirmou que durante o Estado Novo assistiu-se a uma “grande crise” por causa do chá de Moçambique, que acaba por afetar o chá dos Açores, a par do fluxo em emigratório da década de 1960 para os Estados Unidos e Canadá.
“O chá faz parte do nosso património”, disse a especialista, que salvaguardou que o evento vai terminar com a degustação do chá Seara.
A Confraria do Chá do Porto Formoso lançou em junho um livro sobre esta cultura centenária nos Açores, visando assinalar o seu 10.º aniversário.
Foram convidadas 23 personalidades para colaborar neste livro com prefácio de Machado Pires, professor aposentado e ex-reitor da Universidade dos Açores, sendo a capa da responsabilidade do pintor Tomaz Borba Vieira, a partir da obra Chá Seara, de Francisco Álvares Cabral.
Atualmente, ambas as fábricas de chá da ilha de São Miguel constituem ponto de paragem para turistas e locais.