Erupção do vulcão dos Capelinhos foi há 60 anos e provocou “horas de ansiedade”
2017-09-26 08:48:00 | Lusa
Um dia depois de começar a erupção do vulcão dos Capelinhos, no Faial, o jornal O Telégrafo trazia à primeira página as “horas de ansiedade”, porque “no mar, a 100 metros dos Capelinhos”, tinha rebentado um “vulcão submarino”.
“Como noticiámos, desde há dois dias, quase ininterruptamente, nas freguesias do Capelo e Praia do Norte, a terra tem tremido, pondo em sobressalto as respetivas populações que, assustadas, abandonaram as suas casas, percorrendo as ruas com o emblema do Divino Espírito Santo a implorar a Misericórdia Divina”, relatou o jornal na edição de 28 de setembro de 1957.
O jornal, com sede na Horta, contava que no dia anterior, pelas 06:45, “essa ansiedade aumentou, ao ser avistado a 100 metros a nordeste dos ilhéus dos Capelinhos o mar em ebulição expelindo escórias que eram projetadas a alguns metros de altura”.
“O mar no ponto da erupção tem cerca de 50 braças de profundidade”, lia-se no matutino, acrescentando que “o facto, como era de prever, causou grande pânico na população daquelas freguesias e sobressalto na cidade e em toda a ilha”.
Segundo O Telégrafo, “os baleeiros, que [estacionavam] no Comprido, e suas famílias, abandonaram imediatamente aquela estação”, enquanto a torre do farol “oscilava de uma forma assustadora”.
A erupção do vulcão dos Capelinhos começou a 27 de setembro de 1957 e, um ano depois, começou a perder força. A 24 de outubro de 1958 ocorreu a última emissão de lavas e o vulcão adormeceu.
Em entrevista à agência Lusa, o docente da Universidade dos Açores Rui Coutinho referiu que na sequência da erupção houve a evacuação de alguns lugares, tendo sido retiradas 1.712 pessoas e meio milhar de cabeças de gado, do Norte Pequeno, Canto e Capelo.
Citando um texto que elaborou para o Núcleo Cultural da Horta, a propósito dos 60 anos da erupção, Rui Coutinho explicou que, então, o governador civil do distrito da Horta, Freitas Pimentel, manifestou numa reunião com várias entidades a “intenção de criar um plano de intervenção” que “evitasse surpresas” e “garantisse estarem preparadas para situações futuras.
Num testemunho que Rui Coutinho recolheu de Norberto Fraião, à data da erupção funcionário da Federação de Municípios, este assinalou que “as areias é que eram o grande problema, porque destruíam as estradas e quando se acumulavam nos telhados faziam com que estes se abatessem”.
Rui Coutinho, doutorado em Vulcanologia, lembrou que, a 17 de dezembro de 1957, emigrantes portugueses residentes na Califórnia doaram dinheiro para o Natal dos sinistrados, tendo, na resposta de agradecimento, o governador civil transmitido que “nada faltava” àqueles - “os que podiam trabalhar tinham obras do Estado em curso” e, apesar de a oferta ter chegado após o Natal, este foi devidamente comemorado no Capelo.
O investigador referiu que, na noite de 12 para 13 de maio de 1958, quando ocorreram cerca de 450 eventos, o pároco da Praia do Norte “absolveu coletivamente os pecados do povo”, uma ação que “causou pânico generalizado”, mas a imprensa local e a afixação de avisos de parede foram utilizados para acalmar a população.
A 15 de maio de 1958 chegou à Horta o ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira, que anunciou “um exaustivo plano de recuperação e reconstrução”, ao mesmo tempo que continuou a doação de alimentos a vestuário, tendo ainda o cônsul dos Estados Unidos da América visitado os Açores nesse mês para “discutir a emigração para o país”.
Rui Coutinho adiantou que “cerca de 40% da população ativa emigrou do Faial em consequência da erupção”, estimando os “custos quantificáveis” da erupção em dois milhões de dólares americanos à data, o que seriam hoje 15,4 milhões de dólares.
Porém, “muitos outros custos indiretos ou não quantificados ficaram por contabilizar”, como a perda de receitas fiscais, de rendimentos, as verbas atribuídas à população para limpezas de vias e casas, entre outros, além dos “custos suportados pelos cidadãos”, seus familiares ou famílias de acolhimento.
Rui Coutinho considerou que “no contexto austero do Estado Novo a resposta do Governo foi generosa”, para considerar como “absolutamente espantoso” que não tenha havido uma única vítima mortal num acontecimento que marcou os Açores e no qual considera que se destacaram duas personalidades: Frederico Machado, pelos contributos técnico-científicos”, e Freitas Pimentel, o governador civil responsável pela “gestão da crise”.